São
sete horas da manhã em Pequim, capital chinesa, com seus 20 milhões de
habitantes. Numa gráfica, a jornada dos trabalhadores já está em ritmo alucinante,
sem tempo previsto para terminar. Num dia de pico de demanda, como este, o
almoço é um gesto mecânico, simultâneo à alimentação de papel das impressoras,
aos ajustes de tinta, à troca de bobina, ao corte e ao acabamento. Os
vencimentos e encargos do pessoal somam 60 dólares mensais, o equivalente a
cerca de 154 reais. Na fábrica, não há tratamento de resíduos, nem reutilização
da água. Carga tributária do país asiático: 20% do PIB.
São
19 horas em São Paulo, centro nervoso da economia brasileira e de uma região
metropolitana com cerca de 17 milhões de habitantes. Os colaboradores de uma
gráfica, depois de jornada de oito horas, estão a caminho de casa ou, se não
moram tão longe, já jantando com as famílias. No almoço, com refeição balanceada,
ambiente agradável e fora do chão de fábrica, tiveram uma hora inteira para
comer, conversar e repor energias. Seu salários e encargos somam 60 dólares por
dia, ou 1.800 por mês, aproximadamente 4,5 mil reais. Na fábrica, há luvas de
proteção, uniformes adequados, tratamento de água e resíduos e reaproveitamento
de aparas. A carga tributária no Brasil é superior a 37% do PIB, a mais alta no
universo dos BRICS.
Como
se observa, há muito mais do que a diferença de 12 horas no fuso horário
separando as gráficas das duas nações. O contraste de competitividade é imenso!
Se, de um lado, a China exagera no desrespeito às normas internacionais
relativas ao trabalho digno e à responsabilidade socioambiental e subsidia o
papel de imprimir, convertendo tais distorções em diferencial para auferir
vantagens concorrenciais, o Brasil extrapola em muito aos padrões globais
quanto aos impostos, juros, burocracia, encargos trabalhistas, insegurança
jurídica e câmbio equivocado, reduzindo de modo dramático a competitividade de
sua manufatura.
Na
indústria de transformação brasileira, há segmentos mais afetados do que
outros, em especial nos quais há similaridade tecnológica e em que pequenas
variações de qualidade não são consideradas pelo contratante do serviço na
avaliação da relação de custo-benefício.
É o caso do setor gráfico nacional,
que investiu pesadamente nos últimos anos em atualização de equipamentos e
processos, nada devendo aos melhores do mundo. Nesse caso, a decisão do cliente
é balizada pelo preço, não importando muito a tinta usada (se tem ou não
chumbo), as peculiaridades dos demais substratos, a origem do papel (se vem de
florestas cultivadas ou é extraído de matas nativas), se os profissionais têm
ou não condições adequadas de trabalho ou se um dos efeitos colaterais daquele
produto é o dano ambiental.
No capitalismo,
não se pode condenar essa perspectiva do preço nas decisões dos clientes.
Contudo, cabe ao Estado adotar medidas eficazes para equilibrar o jogo no
comércio internacional, adotando políticas públicas reguladoras. Ante tal
premissa, a indústria gráfica brasileira tem encaminhado algumas poucas
reivindicações ao governo, até agora não atendidas, o que motivou um manifesto
do setor à Nação, sintetizando as medidas pleiteadas: desoneração da folha de
pagamentos; isenção do IPI para os materiais escolares; alíquota zero do
PIS/Cofins para a atividade de impressão de livros; retirada de seis papeis de
imprimir da lista de cem produtos que tiveram suas alíquotas de importação
elevadas pela Camex; adoção de margem de preferência quando das compras de materias gráficos pelo setor público,
incluindo as obras adquiridas pelo governo no âmbito do Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD); fiscalização eficaz do uso indevido do papel imune; fim
da bitributação do ICMS e ISS.
A
indústria gráfica do Brasil não abre mão da dignidade trabalhista de seus
colaboradores, de sua responsabilidade socioambiental, dos investimentos em
tecnologia e de concorrer de modo ético e saudável na economia globalizada.
Porém, precisa ser ouvida em seus pleitos para manter os 230 mil empregos
existentes nas mais de 20 mil gráficas e cumprir seus compromissos com o
desenvolvimento nacional. Caso contrário, continuaremos passando o
constrangimento de ver livros de autores brasileiros, inclusive os comprados
pelo governo para distribuição às escolas públicas, sendo impressos sob a
fumaça de Pequim e ao ritmo do dumping social, um triste eufemismo para
condições de trabalho inimagináveis em nossa pátria!
*Fabio
Arruda Mortara, empresário, é presidente da Associação Brasileira da Indústria
Gráfica (ABIGRAF Nacional) e do Sindicato das Indústrias Gráficas no Estado de
São Paulo (SINDIGRAF).
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