segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Muito além do fuso horário - Por Fábio Arruda Mortara*

São sete horas da manhã em Pequim, capital chinesa, com seus 20 milhões de habitantes. Numa gráfica, a jornada dos trabalhadores já está em ritmo alucinante, sem tempo previsto para terminar. Num dia de pico de demanda, como este, o almoço é um gesto mecânico, simultâneo à alimentação de papel das impressoras, aos ajustes de tinta, à troca de bobina, ao corte e ao acabamento. Os vencimentos e encargos do pessoal somam 60 dólares mensais, o equivalente a cerca de 154 reais. Na fábrica, não há tratamento de resíduos, nem reutilização da água. Carga tributária do país asiático: 20% do PIB.

São 19 horas em São Paulo, centro nervoso da economia brasileira e de uma região metropolitana com cerca de 17 milhões de habitantes. Os colaboradores de uma gráfica, depois de jornada de oito horas, estão a caminho de casa ou, se não moram tão longe, já jantando com as famílias. No almoço, com refeição balanceada, ambiente agradável e fora do chão de fábrica, tiveram uma hora inteira para comer, conversar e repor energias. Seu salários e encargos somam 60 dólares por dia, ou 1.800 por mês, aproximadamente 4,5 mil reais. Na fábrica, há luvas de proteção, uniformes adequados, tratamento de água e resíduos e reaproveitamento de aparas. A carga tributária no Brasil é superior a 37% do PIB, a mais alta no universo dos BRICS.

Como se observa, há muito mais do que a diferença de 12 horas no fuso horário separando as gráficas das duas nações. O contraste de competitividade é imenso! Se, de um lado, a China exagera no desrespeito às normas internacionais relativas ao trabalho digno e à responsabilidade socioambiental e subsidia o papel de imprimir, convertendo tais distorções em diferencial para auferir vantagens concorrenciais, o Brasil extrapola em muito aos padrões globais quanto aos impostos, juros, burocracia, encargos trabalhistas, insegurança jurídica e câmbio equivocado, reduzindo de modo dramático a competitividade de sua manufatura.

Na indústria de transformação brasileira, há segmentos mais afetados do que outros, em especial nos quais há similaridade tecnológica e em que pequenas variações de qualidade não são consideradas pelo contratante do serviço na avaliação da relação de custo-benefício. 

É o caso do setor gráfico nacional, que investiu pesadamente nos últimos anos em atualização de equipamentos e processos, nada devendo aos melhores do mundo. Nesse caso, a decisão do cliente é balizada pelo preço, não importando muito a tinta usada (se tem ou não chumbo), as peculiaridades dos demais substratos, a origem do papel (se vem de florestas cultivadas ou é extraído de matas nativas), se os profissionais têm ou não condições adequadas de trabalho ou se um dos efeitos colaterais daquele produto é o dano ambiental.

No capitalismo, não se pode condenar essa perspectiva do preço nas decisões dos clientes. Contudo, cabe ao Estado adotar medidas eficazes para equilibrar o jogo no comércio internacional, adotando políticas públicas reguladoras. Ante tal premissa, a indústria gráfica brasileira tem encaminhado algumas poucas reivindicações ao governo, até agora não atendidas, o que motivou um manifesto do setor à Nação, sintetizando as medidas pleiteadas: desoneração da folha de pagamentos; isenção do IPI para os materiais escolares; alíquota zero do PIS/Cofins para a atividade de impressão de livros; retirada de seis papeis de imprimir da lista de cem produtos que tiveram suas alíquotas de importação elevadas pela Camex; adoção de margem de preferência quando das compras  de materias gráficos pelo setor público, incluindo as obras adquiridas pelo governo no âmbito do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD); fiscalização eficaz do uso indevido do papel imune; fim da bitributação do ICMS e ISS.

A indústria gráfica do Brasil não abre mão da dignidade trabalhista de seus colaboradores, de sua responsabilidade socioambiental, dos investimentos em tecnologia e de concorrer de modo ético e saudável na economia globalizada. Porém, precisa ser ouvida em seus pleitos para manter os 230 mil empregos existentes nas mais de 20 mil gráficas e cumprir seus compromissos com o desenvolvimento nacional. Caso contrário, continuaremos passando o constrangimento de ver livros de autores brasileiros, inclusive os comprados pelo governo para distribuição às escolas públicas, sendo impressos sob a fumaça de Pequim e ao ritmo do dumping social, um triste eufemismo para condições de trabalho inimagináveis em nossa pátria!


*Fabio Arruda Mortara, empresário, é presidente da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (ABIGRAF Nacional) e do Sindicato das Indústrias Gráficas no Estado de São Paulo (SINDIGRAF).

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