quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O País está abrindo mão de seu patrimônio industrial - Paulo Francini*

Há algum tempo, o debate econômico tem tratado da preocupante situação da indústria de transformação brasileira, da perda de competitividade que tem resultado em aumento dos produtos primários na pauta de exportação e da ocorrência de um processo de redução de seu peso no PIB nacional (desindustrialização). Nesse debate, a questão essencial é o papel da indústria de transformação para o desenvolvimento econômico brasileiro.
Uma indústria de transformação mais competitiva e dinâmica potencializa o avanço da produtividade, do investimento e do capital humano. Isso acontece por um conjunto de atributos do setor, apresentados a seguir.

A indústria de transformação é uma indutora fundamental para a expansão do investimento produtivo. Apesar da perda de participação no PIB, a indústria de transformação oferta boa parte dos "bens de investimento" da economia. Segundo as Contas nacionais, nos últimos anos, a Indústria de Transformação foi a origem de 55% de toda a FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo) realizada pela economia nacional. Logo, uma manufatura dinâmica e competitiva é capaz de engendrar um círculo virtuoso de novos investimentos produtivos, condição necessária para o crescimento econômico.

Dentre os maiores setores de atividade, a indústria de transformação é a que mais recompensa com aumentos de salários o aumento do grau de escolaridade. O salário real nos níveis superiores de escolaridade é mais elevado na manufatura, se comparado com o setor de serviços (com ou sem comércio) e a agropecuária. Além disso, a atividade industrial emprega pessoas com maior grau de formalização, o que implica respeito a direitos sociais e previdenciários.

Se o país almeja ingressar no clube dos países desenvolvidos em um reduzido espaço de tempo, será necessário que se recupere a capacidade de investir
Paulo Francini, diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Fiesp e Ciesp, sobre a necessidade de retomada do setor industrial

A indústria de transformação é, ainda, capaz de agregar alto valor por trabalhador, em especial nos países emergentes em trajetória de desenvolvimento semelhante à do Brasil. Enquanto o valor adicionado médio por trabalhador para o conjunto da economia brasileira é de R$ 37,8 mil, na indústria de transformação é de, em média, R$ 49,6 mil, ou 31,3% superior.

É a principal origem das atividades de invenção, inovação e difusão de novas tecnologias, as quais sustentam aumentos contínuos de produtividade por toda a economia, criando também as condições necessárias para o surgimento de um setor serviços de elevado valor agregado.

Com base nas evidências elencadas, fica claro não somente a grande capacidade da manufatura de influenciar positivamente os fatores determinantes do crescimento econômico em longo prazo – produtividade, investimento e capital humano –, bem como seu papel central como vetor de crescimento, capaz de traduzir o maior ativo econômico brasileiro, que é o mercado interno, na forma de maior produção, emprego e renda.

Se o país almeja ingressar no clube dos países desenvolvidos em um reduzido espaço de tempo, será necessário que se recupere a capacidade de investir, que está fortemente associada à retomada do setor industrial.

A história de outros países, sobretudo os asiáticos, com destaque para Japão e Coreia do Sul, mostram ser possível um rápido crescimento da renda em um período relativamente curto. O fato comum entre esses países é existência e a execução de um plano de longo prazo para o desenvolvimento do país, que combine ações para ampliação da competitividade sistêmica da economia (educação, infraestrutura, juros, eficiência tributária etc.) com uma política industrial vinculada a esses objetivos, priorizando setores com base na importância estratégica que terão para o futuro do país.

No caso brasileiro, estamos abrindo mão de um patrimônio conquistado a duras penas durante cinquenta anos que é uma indústria forte e diversificada. Mais preocupante ainda, é que estamos perdendo nossa indústria antes de se criar as condições necessárias para o desenvolvimento de um setor serviços de elevado valor agregado associado ao setor industrial, que foi a opção feita por países que obtiveram sucesso no desenvolvimento econômico e social.


*Paulo Francini é diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

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